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PROJETO MAGNO: Projeto de Exposição para o MIS São Paulo (1998/1999)

Poíesis – A Construção dos Sentidos: Introdução

 

Poíesis – A Construção dos Sentidos foi um Projeto-Magno, que marcou o início de minha carreira, como artista e pesquisadora. Digo que foi magno porque era muito grande, complexo, e caro para sua execução total. Mas ele me fez criar um caminho artístico-vivencial que não existia, e que foi se materializando a cada passo que eu dava. Pura Magia!

A proposta não foi executada, como se pode ver, mas as ideias dos projetos, o amarramento dos mesmos numa linha curatorial que criei, considero muito ricos e importantes na minha trajetória.

Atentem de onde vêem as ideias ligando arte e natureza: já datam de mais de 20 anos. Observem que o Projeto Fullgaz, que hoje é Pele do Tempo, tem um percurso conceitual histórico: Sua ideia original de uma instalação, com fortes traços da tecnologia na sua montagem (ela usava neon originariamente), se expandiu para uma noção mais ligada à terra; à própria natureza, conectando-o com o que há de mais atual na relação arte-meio ambiente-cultura. Suas referências históricas são a Land Art e, atualmente, uma boa menção são as obras expostas na Trattoria di Celle, na Toscana.

 

-Poíesis – A Construção dos Sentidos: Apresentação

Poíesis é um termo de origem grega que significa a ação de construir ou fazer algo; a capacidade de criação do ser humano, que pressupõe desde a mais simples produção manual, reflexo da necessidade de comunicação do homem, até os engenhos que requerem teorias e aparatos mais elaborados para sua realização.

Todo ser vivo apresenta interfaces sensíveis que o conectam ao mundo exterior O homem, como ser mais evoluído da espécie, possui um corpo dotado de órgãos sensórios eficientes e um cérebro desenvolvido o bastante que o tornam apto a apreender os dados que permeiam o universo e convertê-los em novas informações. O artista é aquele que, deliberadamente transforma tais dados em mensagens (táteis, visuais, sonoras, cinéticas, ou a fusão de várias delas) capazes de gerar sensação e emoção, estabelecendo uma troca de informações sensíveis que se renovam no universo em processos cíclicos.

POÍESIS – A Construção dos Sentidos trata dessas analogias; as experiências sensórias que envolvem o homem ao mundo, a construção de novos significados que este convívio pode gerar a partir da dilatação dos sentidos humanos por interfaces tecnológicas, e a consequente conscientização que esta situação interativa possibilita desencadear.

Sob esse aspecto integram-se para o melhor entendimento de POÍESIS – A Construção dos Sentidos outros dois termos também gregos que esclarecem a já referida relação de trocas sensíveis homem/mundo, e as ações geradas a partir deste relacionamento· são eles téchne e aisthesis.

Adriana Gomes de Oliveira

 

– Poíesis – A Construção dos Sentidos: Definição

Para que uma ideia se materialize é necessário que seja desenvolvida uma técnica capaz de traduzir as sensações, impressões ou projetos mentais em produto matérico, que pode ser o próprio objeto artístico ou artifício tecnológico responsável pela mediação de tal objeto – isto é a téchne; correspondente ao nosso prefixo tecno Porém, no processo de percepção do mundo, anterior à aplicação da técnica existe a aisthesis – sensação, percepção, inerente ao ser humano, e que na arte é facilmente percebida pela capacidade dupla do artista de, ao mesmo tempo, sensibilizar-se e produzir ações possíveis de gerar emoção, movimentando este processo de forças criadoras.

Estes conceitos não apresentam limites muito claros ou definidos, entrecruzam significados e sofrem constantes modificações com o passar do tempo, ampliando seus sentidos, mutando; por assim dizer, vivendo. Poiesis nos foi traduzido como poesia; expressão que demonstra esta mencionada abrangência de significados, pois não se restringe à produção de poesia escrita ou às realizações artísticas, mas compreende, também, tudo que é capaz de despertar o sentimento do belo – logo, o mundo que nos rodeia Desta forma poíesis, téchne e aisthesis são expressões que se entrelaçam num permanente movimento, todas fazendo parte de um só processo, que engloba a produção e perpetuação de informações sensíveis envolvendo o homem, o ambiente em que atua, e toda a ação gerada desta convivência.

Portanto, POÍESIS – A construção dos Sentidos significa para o público interator tanto a possibilidade do fruir sensorial e consequente estabelecimento de conexões mentais, como também a construção de (novos) sentidos a partir da interação homem/ tecnologias, alimentando um processo comunicativo imanente ao ser humano e ao meio em que atua.

Adriana Gomes de Oliveira

 

– Poíesis – A Construção dos Sentidos: Conceito

POÍESIS -A Construção dos Sentidos é uma exposição que traduz através de signos antagônicos a presença do homem em um tempo e espaço comuns O percurso pela exposição coloca o público em contato com obras que prescindem a materialidade, num contraponto a outras que ainda a mantém concentrada, na sua forma mais pura Embora haja esta primeira oposição patente, POÍESIS – A Construção dos Sentidos se conforma pelo aspecto impalpável, da sutileza da imagem e conceitos transportados pela luz, elemento que aparece presente em todos os trabalhos.

As obras foram dispostas no espaço visando uma coesão de toda a área expositiva, tomando POÍESIS – A Construção dos Sentidos um corpo único, capaz de estimular a percepção do público através dos trabalhos e também de corredores de transição Desta maneira, as similaridades físicas entre as obras se evidenciam, a luz aparece sob diferentes formas, imanente às imagens e presente também nestes corredores Através de indícios luminosos, o percurso por estas áreas revela, pelo prolongamento ou quebra da sensação visual, mudanças conceituais.

Apesar de POÍESIS – A Construção dos Sentidos apresentar uma estrutura espacial integrada, que visa uma maior imersão do público no seu tempo-espaço, oposições presentes no universo permeiam toda a exposição – o real e o virtual, o orgânico e o inorgânico, o interno e o externo Longe de restringir o seu discurso a uma visão maniqueísta do mundo, POIESIS – A Construção dos Sentidos lida com esta tensão existente entre dois polos opostos, que tende a constantes mudanças, que gera movimento entre as coisas e busca a ordem Neste permanente curso, o presente se transforma em passado, e da união entre os opostos surge um novo elemento, fusão dos dois primeiros.

Nos constantes fluxos de expansão e contração, o homem exerce duplo papel na medida em que se integra ao universo a. também, se encerra em seu próprio eixo Aqui percebemos a relação macrocosmo/microcosmo Informações chegam a este homem que, através dos sentidos as apreende e num incessante fluir de pensamentos a comunicação acontece, rápida, imaterial e instável como a luz.

Considerando estas relações, POÍESIS – A Construção dos Sentidos se configura para o público como um momento único, no qual construir sentidos significa tanto perceber relações sensoriais com as obras, como estabelecer, para além destas, conexões mentais POÍESIS – A Construção dos Sentidos se insere no tênue limite entre a sensação e a razão Elementos antagônicos, porém complementares.

 

Adriana Gomes de Oliveira

 

– A Escolha do MIS- Adequação da exposição ao espaço

A imaterialidade da luz é a linguagem predominante em POÍESIS • A Construção dos Sentidos. Vista sob diferentes formas, seja através das projeções, no brilho dos pixels de luz dos monitores, na iluminação, e também na luminosidade natural, a luz se configura como o fio condutor, a ligação física entre as imagens produzidas pelos diferentes meios. Estas imagens se mostram tão fluidas quanto a luz, quando não são a própria. Este aspecto impalpável, não tangível da luz, se reitera nas obras.

O Museu da Imagem e do Som, nos pareceu a instituição mais apropriada para sediar POÍESIS – A Construção dos Sentidos porque a linguagem utilizada na exposição se adequa ao perfil cultural do museu, que é um referencial para o público voltado à produção e à apreciação das linguagens audiovisuais; tanto em fotografia, como em cinema e vídeo. Logo, este público especializado terá percebido a constante transformação que a imagem tem sofrido com a evolução da tecnologia na contextualização da arte. O público não especializado, apesar de não perceber essa linha quase cronológica da imagem constituída de luz no percurso do tempo, tem a percepção, os sentidos, que o tornam tão capaz de compreender e sentir a exposição quanto o primeiro.

Na procura de um lugar que permitisse a comunicação do espaço expositivo com o externo, que estimulasse a relação do homem com o mundo, as janelas da gaiola (espaço cilíndrico situado no segundo andar do museu) se encaixaram perfeitamente ao que se procurava para o projeto CRON, que já tinha uma estrutura, a ideia de utilizar células fotovoltaicas para transformação de energia luminosa natural em energia elétrica Porém, a aplicação desta tecnologia no trabalho ainda necessitava de uma poética mais clara, que se deu depois de visitas permanentes ao espaço. A evolução dos conceitos de CRON aconteceu através das análises consequentes da observação periódica da reação do público naquele ambiente, em diferentes períodos do dia.

Tendo um espaço que respondesse às expectativas estruturais, a exposição foi concebida através do conhecimento do lugar A disposição das obras resultou, quase que inteiramente, das primeiras sensações causadas nas visitas de exploração do espaço Depois dessa etapa, discussões e análises visaram uma coerência conceitual na distribuição das obras no espaço expositivo. Um provável percurso foi traçado e a projeção de analogias sensoriais permitiram descobertas a respeito da relação entre as obras e destas com o público.

A etapa seguinte foi pensar em como resolver espacialmente cada trabalho no local determinado. Procurando aproveitar a estrutura física do museu, algumas intervenções foram projetadas visando incorporar-se à poética dos trabalhos. Logo, a estrutura do museu faz parte da concepção da exposição, existindo uma relação de reconhecimento do espaço que vai além da adequação temática entre POÍESIS – A Construção dos Sentidos e o Museu da Imagem e do Som.

Podemos afirmar que POÍESIS – A Construção dos Sentidos é uma exposição que se insere num campo de discussões já instaurado na contemporaneidade; a relação entre a arte, a tecnologia e a ciência. Na busca destas novas reflexões estéticas a respeito da arte contemporânea, o artista se coloca numa relação cada vez mais evidente com o cosmo, porque à procura da viabilização de obras das quais não tem o total domínio técnico, este homem encontra em outras áreas maneiras concretizar suas ideias, adentrando em campos diversos do conhecimento, que inevitavelmente passam a fazer parte de sua maneira de pensar e agir. Estas relações de intricamento de linguagens tornam o artista multimídia, e um permanente pesquisador – reiterando a significação última do termo poíesis, aquela que une o domínio da técnica do fazer manual, com a reflexão racional e a inspiração intuitiva na atividade criadora.

Corno o MIS é um museu voltado a “…registrar, especialmente, o processo da atual história e da cultura brasileira, reflexos de uma época com profundas mutações sociais e tecnológicas …”, nos parece uma instituição museográfica aberta e dinâmica para a concretização da exposição POÍESIS – A Construção dos Sentidos.

Adriana Gomes de Oliveira

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