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Exercício Escrita Micelles n. 1: Episódio de infância misterioso e singular

O copo sobre a toalha xadrez

Adriana Oliveira

 

Lembro-me bem. Eu vi aquilo acontecer. O copo virou na mesa e, logo depois, isso aconteceu.
Estávamos lá, eu, minha mãe, a madrinha de minha irmã, Lourdes, que era psicóloga, e sua filha, Telma. Bebíamos café-com-leite. A toalha da mesa era xadrez, em estilo branco e vermelho.
De repente, num átimo de segundo, vi o copo virar. Eu disse: -Vi isso! -O quê? Perguntou Lourdes. –Vi o copo virar! -O café caiu na toalha, molhando tudo!
Depois me lembro de meu pai, fazendo testes de paranormalidade comigo e minha irmã gêmea. Ele nos colocava em cômodos diferentes, pedindo para tentarmos adivinhar o que a outra pensava. Nada aconteceu. Frustração para o meu pai.
Aquilo passou. Acho um verdadeiro enigma. Gosto de enigmas.
Não por acaso me interessei pelo pensamento peirceano. Este autor, Peirce, elabora uma teoria para as inferências lógicas. Ele chama de abdução o pensamento primeiro que vem à tona na mente, a ideia, o insight. É a antecipação de algo nem mesmo cogitado. A informação nova que aparece no sistema.
Como artista curiosa que sou, já me identifiquei com esse conceito. Nessa mesma época, início da graduação, passei a anotar meus sonhos. Fiz um caderno de sonhos, e ia na PUC procurar livros para interpretá-los, numa época em que não existia internet. Achei lá A Interpretação dos Sonhos, de Freud, e fui tentar ler. Achei muito hermético, mas pegava ideias fragmentadas para minhas próprias ideias.
Procurava também coisas em dicionários de símbolos, que havia visto que existiam na disciplina de literatura comparada, na Letras. Assim ia tecendo inferências sobre minhas próprias inferências. E sobre mim mesma.
Mosquitinho no pergaminho. Inefável coincidência. Braço. Embaraço. Enlaçada acidez de ideias.